4.10.10

Agosto de 2010

Oi, Luca, é o papai. Segundo a genética, correspondo à metade exata dos seus genes. Por esse legado biológico posso predispor a cor dos seus olhos e da sua pele, o timbre da sua voz, a sua fisionomia, o seu cabelo. Posso, enfim, auxiliar na construção de boa parte do destino do seu corpo (e, como dizem atualmente, até do seu modo de ser, da sua personalidade...). Desde já faço parte da sua vida, e você é grande parte da minha.
Por falar em genética, não descuide do peso, há chance de engordar. Cuidado com doces e gorduras, a diabetes é um mal. Faça exercícios regularmente, pois o coração até pode vir forte, mas é bom não bobear.
Cuidado com um certo olhar demasiadamente aprofundado sobre as coisas, ele costuma trazer mal-humor e pessimismo. Quem leva a vida “na flauta” sabe menos, mas vive mais e melhor.
Confesso, filho, que não te carreguei no ventre, não senti as dores, nem sou quem te alimentará do leite feito da própria entranha. Sou o outro – aquele que a natureza encarregaria de te ensinar a caçar e fazer o fogo para assar a carne, mas essas tarefas caíram em desuso há alguns milênios.
Quem sou eu, então? Eu sou teu pai. E tenho começado a me dar conta de como é boa a sensação de dizer: “sou teu pai!”.
Acho que vamos aprender juntos o que isso significa exatamente. Ou melhor, você vai me ensinar. A Giu tem sido generosa com minhas tentativas até agora, e acho que o amor tem ajudado também. Mas ela é privilegiada: tem dois que olham por ela. Assusta pensar que você não terá outra referência além de mim. Espero que tenha paciência.
Aliás, querido, até agora “se meu filho nem nasceu, eu ainda sou o filho...”. Só fui deixando de ser filho meio na marra, e absolutamente contra a minha vontade. Às vezes questiono se estou preparado. Sinto como se o tempo tivesse passado e eu, parado, tivesse ficado olhando pra trás (algum manual de psicologia poderia dizer que essa percepção é “normal”, que 9 entre 10 pais se sentem assim antes do nascimento da criança – mas não acredito muito em psicologia).
Você, muito esperto, poderia perguntar agora: Parado procurando o quê, pai?
Procurando o pai que perdi.
Recordo muita coisa do seu avô, embora o tempo tenha tirado parte do colorido da memória. Tanto tempo depois, a recordação já é meio em preto e branco, como algumas televisões antigas, que você nunca terá a chance de conhecer. No começo, eu tinha medo de que lembrar não me deixasse viver em paz. Hoje, tenho mais medo de esquecer. Medo de sentir que, embora a herança mais significativa dele esteja tatuada no meu próprio existir, aquela presença mais viva vai se apagando de mim aos poucos, e para sempre - a voz, o jeito, o rosto...
Pois é assim que as coisas acontecem. As pessoas passam. Por isso, sei que minha estada com você também é provisória – também hei de passar. E tudo bem. Sou apenas mais uma existência humana com data de validade, que um dia esvaecerá (mas isso você não entenderá até chegar à adolescência. Até lá, estou protegido pela ilusão que os bebês trazem de fábrica de que seus pais são super-heróis, eternos e invencíveis).
Pra terminar, devo dizer que nesse momento o universo todo já se prepara pra lhe receber, começando por mim, pela mamãe, pela Giu e por mais tanta gente que nem cabe aqui. Que tua chegada seja luminosa como teu nome, quente como um dia de sol, e que seja bom tudo o que lhe foi preparado pelo Destino.
Mesmo eu, um existencialista de formação e de coração, sustento e defendo a humildade de reconhecer que certos rumos da existência devem ser creditados a ele: o Destino. Um dos nomes de Deus é Destino – o imponderável. Nunca tenha medo da vida. O Destino lhe ama desde a eternidade.
Por isso, seja quem quiser ser, faça o que quiser fazer – ouse, inove, crie! A vida só se dá pra quem se deu! Descubra a vacina do câncer, venda picolés no parque, viaje o mundo num balão, escale o Everest pulando numa perna só, namore alguém de outra classe social, durma sem tomar banho, viaje para a Lua ou se torne um craque de futebol (e nunca esqueça o nosso tricolor...).
Faça tudo diferente de mim, se desejar. Conquiste seu próprio reino, pois aquele que vou lhe deixar é pequeno demais pra você.
Não tenha medo de perder coisa alguma. No fim, nada é mesmo nosso. Cuide apenas de nunca se perder.
Meu filho, meu amor eterno, a vida é uma só.

19.7.10

HOJE

Hoje o dia amanheceu cinza, como é pouco usual.

Hoje nenhuma surpresa, nenhum afeto que baste; tudo como qualquer dia em vão.

Estranho como eu também mudei: hoje não senti nada. Agradeço, ainda sim, mas sem razão. Enfim, pelos cacos que me deste, obrigado.

Hoje, nem sombra de outrora, da intensidade pueril, da ilusão de parar o tempo.

Hoje não há intensidade, mas angústia. Nem ansiedade, mas medo incontido.

Hoje nem frio, nem quente.

Pior, estou morno.

7.12.09

REDENÇÃO

Por trás de cada fracasso,
a esperança de uma ajuda final redentora

15.9.09

MUDA

É inescapável a transformação. A ação humana a garante e inscreve no existir.
A verve ardilosa dos canalhas, o aviltar insidioso dos criminosos não são páreo à fugacidade do tempo.
Abaixo o requiém! Fim às inúteis odes aos idos!
A novidade do futuro virá sempre e branca e toda, a aparvalhar todas gentes.
As longas pernas dos anos criaram varizes, mas hão ainda de se prestar a atropelar a vã filosofia, em nome do porvir.

27.8.09

E BEL?

Onde está Bel?

Na avenida, na esquina, no reino mágico de Oz?

Onde está Bel?

Em São Paulo, Praga, Paris, Oróz?

No monte mais alto, na fria altitude?

Na quentura do inferno, no açoite do diabo?

Em Pasárgada ou na Marambaia?

Voltará a tempo das festas? Verá o verão por aqui?

Terá abrigo no inverno?

Estará no campo ou na praia?

Comendo sapo ou siri?

Seiva bruta ou frango com farofa?

Será galhofa ou esquecimento?

Estará com as putas a rir-se?

Estará nas últimas, e triste?

Tornará depressa? Demorará ainda?

É finda sua história ou Deus ouvirá nossas preces?

Virá de noite ou de tarde?

Antes que raie o dia?

Será marketing ou Alzheimer?

20.8.09

PROVISÃO

Finjo mais um sorriso enquanto tento sinceramente ser feliz
Amanhã serei melhor, me diz o agora, lívido, querendo ir embora
Falta o chão? Pois que falte. Ruína sempre haverá.
Sair de mais essa, simbora.
Deus provê? Deus proverá.