14.8.08

SONETO

Por quantas falas te fizeste surda
Por quantas vilas te fizeste coxa
Por quantos homens te fizeste sexo
Por quantos temas te fizeste muda

Por tanto medo te fizeste nula
Por tanto açoite te fizeste sonsa
Por tanto efeito te fizeste nexo
Por tantas noites te fizeste puta

Por tantas dores escolheste o ódio
Por ser somente te fizeste muita
Por ser veloz tu te fizeste lenta

Por teu rancor sobrou-te este fim mórbido
Que tua descendência não assusta
Na flor da idade já morreste seca

13.8.08

MERCEARIAS MERCENÁRIAS

Troque de calçada se, numa dessas ruas do centro,
avistar uma mercearia mercenária
Não hesite a fuga se ouvir um chamado vindo
de dentro de uma mercearia mercenária

Nelas vivem os novos vermes!
Nelas constroem suas armadilhas os novos vermes!

Eles estão em toda parte, nos becos e nas avenidas
Nos paços e nas malocas
Eles são amigos da praga, e inimigos da arte
Eles são usurários - tome cuidado
porque nesta malandragem
– não duvide – somos todos otários.

5.8.08

TRABALHO

Sinto algo verdadeiramente estranho pelas pessoas que parecem aceitar em suas vidas, com tranqüilidade, a assertiva de que a vida é o trabalho.
Certamente não as invejo, mas nem por isso deixo de sentir certo apreço, uma estima do fundo da alma por seu tão bem adaptado estado de espírito.
A mim, resta o aperto no peito de crer na existência de um sentido outro, possível e ainda velado, um fim para o qual tudo o mais seja meio, que não se esgote no esforço diário do ganha-pão.