10.11.04

CASÓRIO

De começo... o que impedia nosso encontro era a limpeza de minha mente... feita reza a te irritar. Agora... sabe... tem manhãs em que me reconheço preto no espelho – filha da puta do porteiro! – de tão encardido. Então vem... nos merecemos... de uma forma ou de outra... vai.

Parece parada de sete de setembro esse seu vai-e-vem... pobrelama?!
Não... brigado.
Então... vem ser mulher do teu homem... senta aqui... deixa esperar acontecer nada um pouco... assim... juntinho.
Deixa meu vem-e-vai.
Deixo não... me avexa. Parando agora ou vou te devolver pra sua mãe. Ó que ela te joga no lixo... mulher Fedô vem pegar... some você dentro de você mesma... filha.
Então vem pegar minha cabeça... filho de uma égua menstruada!
Então vou que vou mesmo... Aviso... você melhor não mexendo com quem não agüenta! vem... não foge... fica aí...
Cadê você... safado... imbecil... covarde... morre agora... morre agora. Morreu... mmorrrreeeeuuu! Queima no inferno... Ó alma que DEUS não quis parir e cagou!

Olha que musiquinha bonitinha... bem... lembra do tempo... vem curtir... cola o rostinho... pega o banquinho... traz um chá. Fez o bolo de fubá...? então traz pavê mesmo.
Aproveita e traz a tua trolha também.

8.11.04

CRÉDITO

Percalços, encalços e temas falsos. O consolo é um substituto menor que, na falta de outra coisa, acaba bastando à vida.

Ela tinha uma paixão que não lhe ardia nunca - pragmática. Dizia não aos peregrinos trovadores que, aprofundados de devoção e lirismo, desejavam encantar, como a uma serpente, o ventre fértil e dócil daquela mulher amada. Não, não e não. Fizera aqui e acolá esforços esparsos para aprender a deixar o coração doer até a penúltima gota de sangue (a última só na morte). Mas não. Permanecera, a despeito de mal sucedimentos que no peito de outra trariam desejos suicidas, incólume, impávida. Vinícius de Moraes que fosse se foder. Até que lhe provassem o contrário, o romantismo (nas artes ou no senso comum) fora criado como mero pretexto pra que os homens enfiassem o falo na vagina de mais e mais frágeis mulheres, idiotas encantadas/excitadas pela filosofia de botequim embutida naquele tipo de discurso meloso.
Comigo não, violão! - pensava.
E nessa idéia persistia. Para ela, que lera todas as feministas do século XX, todo homem era um Dom Quixote cego, manco e desacompanhado dos conselhos sábios de Sancho Pança, a atacar as mulheres que via pela frente, como a moinhos de vento, apenas em nome de outra - sua idealizada Dulcinéia - que nunca poderia ter, já que trepar com a mamãe é pecado. Defendia-se das investidas ridículas e canhestras do mundo dos homens com essa teoria simples, frágil como asa de borboleta.

Somente os atos repentinos e as paisagens rupestres têm o poder de desentranhar o sentido de nostalgias tão definitivas. Desta vez, seria um ato repentino.

Bebia um cappuccino morno, apanhado às pressas na loja de conveniência, enquanto esperava que lhe enchessem o tanque do carro de gasolina.
Não existe o menor motivo pra que uma lojinha desse tamanho tenha ar condicionado, a não ser o fato de ter que esconder o cheiro de solvente que vem das bombas. Ou seja, o ar condicionado ajuda a fazer você achar que está num lugar bastante apropriado para comer e beber, quando na verdade, em termos de insalubridade, você está num posto avançado do inferno.
O pão de queijo esperaria uma outra oportunidade, o estômago permaneceria roncando.
Aliás, terminaria a bebida no carro, em movimento, longe daqueles vapores cancerígenos que já sentia lhe arranharem a garganta. Mas não contava que na saída do gélido estabelecimento, bem na porta mesmo, fosse encontrar um filho da puta que esbarraria no copo de isopor, derrubando cappuccino na camisa bege novinha (que, por descuido - ou sono - ainda mantinha uma etiqueta da loja com o preço).

"A senhora me desculpe!" - ele disse, enquanto ela ainda media o tamanho do estrago.
"Ele me chamou de sehora?! Quantos anos pareço ter?! Setenta?!" - ela apenas pensou.
"O senhor não enxerga?!" - emendou em tom ríspido.
"A senhora realmente me perdoe, não a vi saindo, estava distraído" - disse ele com sinceridade.
"Olha como ficou isso! Vou ter que volter pra casa e trocar de blusa! Meu chefe vai me matar... E se essa mancha enorme não sair?! Minha blusa novinha..."

Todos os presentes já acompanhavam atentos a contenda entre o rapaz visivelmente constrangido e a mulher aparentemente histérica.

"Permita que a acompanhe até sua casa. Também estou indo trabalhar, mas pelo menos assim compartilho seu atraso. Aproveito e levo a blusa para a lavanderia."

Ela nunca admitiria, mas ficara atônita. Preparada como estava para briga (corporal, se preciso fosse), não esperava gentileza. Como alguém que, de repente, se vê num barco à deriva, ela permitiu que ele a seguisse.
Na porta do apartamento, um momento de indecisão fez com que um calafrio percorresse a espinha daquela mulher: enquanto entrava pelo portão do edifício, percebeu que ele já saíra do carro e estava logo atrás dela. Certamente não permitiria que ele subisse até o apartamento; no entanto, estava tão surpresa com a naturalidade com que ele fizera menção de entrar junto que demorou dois segundos até dizer: "O senhor me espere aqui fora, por favor".
Já no quarto, olhando para dentro do armário de portas abertas, tentando escolher algo que combinasse com a calça que usava, receou pela primeira vez. Entregaria a blusa para que ele levasse à lavanderia? Não conhecia aquele homem. Sequer sabia seu nome.
Desceu com a blusa dentro de um saco plástico, decidida a dizer que não havia sido nada, que não precisava se incomodar, e que ela mesma daria um jeito naquela mancha.

"Agradeço por ter me acompanhado até aqui, mas não precisa se incomodar. Eu mesma dou um jeito nisso aqui." - apontou para o conteúdo do saco plástico.
"Senhora, eu faço questão. Não seria justo, a distração foi minha." - e esticou o braço na direção dela.

Ela acabou lhe entregando a blusa.

"Meu nome é Silvio, e o seu?"
"Regina"
"Regina, pode me dar seu telefone? Eu aviso quando a blusa estiver pronta."

Deu o celular.

Passaram-se dois dias. O telefone tocou numa hora um tanto imprópria, em que ela se livrava de uma diarréia brava, provocada por um pão de queijo esquisito que comera de manhã.
Não identificando o número que aparecia no visor do aparelho, resolveu atender, imaginando que pudesse ser assunto urgente.

"Alô..."
"Alô, aqui é o Sílvio, pode falar?
"Sílvio?"
"Fiquei de levar sua blusa pra lavar, lembra?"
"Ah, sim... Diga."
"Está tudo bem? A senhora está com uma voz estranha..."
"Quantas vezes você falou comigo por telefone pra saber se minha voz está estranha...? Não me chame de senhora, por favor."
"Tudo bem. Sua blusa está pronta. A mancha saiu todinha! Quando posso levar?"
"Quando quiser. Posso te ligar daqui a pouco?" - ela sentiu uma cólica que anunciava uma rajada violenta de cocô mole.
"Claro, então a gente..." - não conseguiu completar a frase, ela desligara.

Cinco minutos depois, ela retornava a ligação. Combinaram que ele passaria de noite pra deixar a blusa.
Desta vez, ela achou que seria falta de educação não convidar o rapaz para subir. Apesar de desastrado, Silvio havia se mostrado bastante solícito. Ao bem da verdade, Regina refletiu melhor e começou a se sentir culpada pela forma como tratara Silvio no fatídico dia da mancha. Ele devia estar muito chateado, decepcionado, pensando nela como uma mulher sem classe, barraqueira. Quando percebeu que a diarréia dera uma trégua, correu até o supermercado para comprar os ingredientes de seu famoso spaghetti à putanesca, que, acompanhado do cabernet sauvignon chileno de boa safra, certamente serviria à formalização do pedido de desculpas, mostrando que ela se tratava sim de uma moça polida e bem educada.

Não parece seguro deixá-los falar agora. Ainda não.

Ele chegou quase no horário combinado, vindo direto do serviço, cheio de vontade de entregar a blusa e ir logo para casa descansar. Ela havia tomado banho e vestia uma roupa que há tempos pensava não lhe servir mais. Um leve toque de Pure Poison atrás das orelhas criava um rastro que a seguia por toda a casa. O spaghetti estava quase pronto.
O interfone tocou displicente, mas ela conseguiu ouvi-lo apressado. Correu até ele, tirou o fone do gancho desajeitadamente e o deixou cair no dedão do pé esquerdo. Ainda sem tempo para a dor (que a acompanharia o resto da noite), retomou o aparelho nas mãos e disse alô. O porteiro avisou que o "seu Silvio" estava chamando. Ela pediu que o seu Silvio subisse.

"Olha, Silvio, eu preciso me desceulpar com você pelo meu..."
"Que é isso... Não precisa se desculpar por nada, eu é que me desculpo pelo contratempo daquele dia. Aqui está a sua blusa. Bem, acho que é isso, até mais."
"Não... é... não aceita jantar comigo pra que eu me desculpe da forma como tratei você naquele dia?"
"Não entendo. Já disse que você não tem que se desculpar de nada. Se tivesse, eu diria."
"Como não?! Eu fui mal educada com você. Entre, eu preparo rapidamente alguma coisa pra gente. Também acabei de chegar" - a última parte do que ela falou é, como sabemos, mentira.
"Bem, se você insiste... mas não vou me demorar, ok?" - ele estranhou.

Regina pediu que ele ficasse à vontade e foi colocar uma música. Podia jurar que deixara o CD do Kenny G em cima do criado mudo, mas não encontrou. Acabou escolhendo Marvin Gaye.
Silvio apoiou as duas mãos no assento do sofá e impulsionou o quadril para trás, endireitando a coluna. O suor se acumulou em sua testa, prestes a formar uma gota, e ele passou a mão direita pra enxugar.

"Enquanto esperamos o jantar, que tal uma taça de vinho?" - disse Regina, enquanto ainda caminhava no corredor que levava à sala, com "Let's get it on" logo atrás.
"Receio estar dando trabalho, Regina, não precisa se incomodar..."
"Posso entender isso como um sim...?" - ela já tinha o Cabernet numa das mãos, e um abridor na outra. "Você faria a delicadeza?" - esticou o conjunto até ele.

Conversavam. Regina começava a se dar conta de como estava fascinada com aquele momento. A temperatura do vinho, o cheiro de azeite de oliva e alcaparras, vindo da cozinha, a leveza do Marvin, tudo conduzia à perfeição. Mas nada bastaria se não fosse pela presença dele - Silvio. Desejaria que o tempo parasse ali, não tivesse já insinuadas em sua imaginação outras cenas para o futuro. Estava completamente "afim" dele.
O spaghetti ficou ótimo - o melhor de todos os tempos, ela mesma achou. Não teve coragem de acender as velas, e o jantar foi iluminado por lâmpadas fluorescentes mesmo.
Nada romântico? Muito pelo contrário, a situação era tal que todo e qualquer detalhe, mesmo que aparentemente desfavorável ao clima que ela pretendia criar, somava-se aos demais na composição da melhor noite de toda a sua vida. Uma noite de quarta-feira - quem diria...

No entanto, antes que ela revelasse o que havia reservado para a sobremesa (uma torta de sorvete, que custara os olhos da cara), Silvio se levantou. Agradeceu a gentileza, desculpou-se por qualquer coisa, pegou o paletó, e deu um passo em direção à porta.
Ela não podia acreditar. O que fizera de errado, o que falara?!
Perguntou. Ele disse que não foi nada, só que precisava ir embora pra casa. Estava tarde e precisava descansar.
Ela insistiu e re-insistiu, argumentou até a sobremesa, mas Silvio parecia irredutível.
Depois do susto inicial, ela conseguiu se refazer, imaginando que aquilo também fazia parte do ritual. Pensava ela: "o que é muito fácil não tem valor... precisamos dessa despedida para valorizarmos ainda mais este encontro! agora entendi! ele é mais sedutor do que me parecia..."
Fez uma cara de séria e deixou que ele fosse, se rindo toda por dentro - despedindo-se de mentirinha; como se contracenasse com ele uma farsa, a cujo sentido o espectador só teria acesso no final da peça, quando ambos retornariam, trinfais, de trás da cortina, mãos dadas a agradecer aplausos entusiasmados.

Já dentro do carro, enquanto afivelava o cinto de segurança, Silvio não conteve uma gostosa gargalhada. "O que foi isso?!?!" - gritava para si mesmo. "Pelo amor de Deus... se eu soubesse..."

Na quinta-feira, Regina acordou pensando em esperar que ele ligasse. Na hora do almoço, porém, já mudara de idéia, e discava o número dele. Caixa Postal.
Mais tarde tentou de novo. Ele atendeu e disse que estava ocupado, perguntando se poderia ligar para ela depois. Claro que sim, desde que não a pusesse morta com um ataque de ansiedade. Não ligou.
Nos dias seguintes, Regina tentou mais duas ou três vezes. Todas em vão. Não sabia onde ele morava, nem onde trabalhava, nem mesmo tinha outro número de telefone em que pudesse encontrá-lo. Mas também - já contemporizava - ele poderia ligar. Mesmo se perdesse o telefone, sabia onde ela morava.

Nunca mais se falaram. Com relação ao acontecido, Regina se alternava entre sentimentos de rejeição, teorias malucas e esperanças ingênuas. No fundo, sabia que não agradara.
Mas, tempos depois, percebeu que era disso que precisava: uma queda, uma paulada no lombo. Podia continuar infeliz, mas ficara um pouco mais sabida.

3.11.04

CONDIÇÕES

Condições
condições
onde são
condicionais

condições
vondições
maldições
balmições
malções
baomlções