5.6.08

CHEIRO

Num dia ensolarado de 1500, uma embarcação da missão exploratória portuguesa, comandada pelo almirante Pedro Álvares Cabral, recebeu a bordo o primeiro dos sinais que, durante aqueles próximos dias, comprovariam a proximidade da terra firme (afinal, navegar – sim – era preciso). O sinal a que me refiro ainda não é a terra em si, nem as nuanças barrentas na água, nem os galhos e folhas que a água trazia consigo desde o continente, nem mesmo os pássaros que rondaram os lusos. Falo do cheiro.
Isso mesmo. Substâncias odorantes, carregadas pelo vento quente daquelas paragens, foram o prenúncio de nosso brasileirismo. Cheiro de solo novo e fértil, cheiro de urucuzeiro e de veneno de urutu, de macaxeira e de flor de maria-sem-vergonha. Cheiro de pau-brasil, de fogueira, de cabana, de gente do mato.
O casamento arranjado entre o odor tedioso da água salobra e o cheiro sanguinolento do escorbuto finalmente deu descanso à tripulação para revelar a nova maravilha do mundo conhecido: o cheiro de Brasil.
Somente alguns dias depois tiveram lugar os primeiros contatos efetivos com a costa, e Portugal inaugurou o novo achado. Mas isso é outra história... O importante mesmo – a primeira impressão, aquela que ficou – foi, sem dúvida, uma experiência olfativa. A orgia provocada nos narizes europeus pelos temperos, tinturas, lavagens, minérios e fisiologias pré-cabralianas selou o destino deste país. Não fosse sua consistência, seu sabor, sua lascívia, sua divindade, e os portugueses talvez tivessem até desistido, dado às costas e tentado noutro lugar.
Diz a tradição que os índios pensaram ser deuses os primeiros portugas. Grande balela! Os índios simplesmente estavam lá, na deles. Se um desconhecido entrasse agora em minha casa certamente não acreditaria tratar-se de um deus, mas de um ladrão. Na verdade, após meses presos num navio de segurança precária, enfrentando a escassez de víveres e as feridas abertas pelo corpo inteiro, eram os portugueses quem necessitavam com urgência uma sensação beatífica, um consolo, como que vindo do céu. E nossos odores lhes prometeram este Éden! E por isso vieram para cá, e colonizaram o Brasil. E por isso escrevo em português.
Porque a primeira commodity brasileira no cenário internacional foi o cheiro.
O cheiro, meus amigos!