24.4.04

CTRL

Upper world
Snake of heaven
Mind and soul
All the answers

The way she walks
The way she talks
The way she looks
The mirror disappears

Things move themselves

Bizarre sex
Lock failure
Misunderstandings
Bad behaviour

Repeat - Paul is dead

20.4.04

AMOR

Não sei se parece, mas ainda sou eu. O cabelo enrolou, a vida amargou. A pele ainda não enrugou, mas às vezes cheira a nicotina. A cabeça pensa rápido, um assombro. O coração? A piada de sempre. Vivo de fazê-lo graça. Cachaça faz rir e engana a fome. Quando aperta, caio nuns tira-gostos, aqui e acolá. Amor é presente de deuses, e o homem sabe lidar não.
Ainda não sou nada do que você esperava.
Ainda não aprendi a ficar satisfeito – à medida do limite não fui devidamente apresentado.
Da última vez, saltei fora na hora certa, por acaso. Mais um pouco e não teria volta.
Desde aí, dei de chorar por nada, acredita?
Amanhã de tarde devo decidir se estou apaixonado, numa reunião de portas fechadas com meu advogado. Quero ver antes se bicho de pelúcia configura assédio sexual. Pensei também em deixar o testamento pronto, pra caso de urgência. Queria deixar minha ingenuidade pra alguém. Quer?
No fim, fui vendo que não tinha ninguém – a coisa de chorar à toa. E você sabe como é criança. Papai do céu não olhou pra mim?


Mas aí eu olhei pro rosto. O que? Foi Deus também que fez? Então é verdade que Ele é Deus, que é o fodão do universo? Eu nasci pra admirar a criação. Por Deus eu vou pro inferno e passo a eternidade lavando o banheiro do Cousa Ruim. Meu sagrado então é você inteira. De dar desespero, com arrepio na espinha. De buscar o ar onde não tem, esticando e contorcendo o corpo todo.
Deus é muito ciumento. Faz tempo que não abre vaga pra anjo. A gente se ferra é nisso.
É tarde da madrugada, eu fico aqui sozinho, e Ele vai pra onde quiser. Voa por cima da tua cama, desliga a TV, olha teus olhinhos fechados, cheira teu suor na fronha, beija tua bochecha, encosta do teu lado, até. Passa a mão na tua cabeça, transfere um sonho lindo, toca o teu coração sem cerimônia. E diz: Feliz Aniversário, meu amor.

18.4.04

AMIGO

Ô, Zé! Já vai assim?
Tua mulher espera!
Bebe mais uma! Mija mais um pouco!
Güenta essa angústia.
O assunto incomoda?
Que assunto, Zé?!
A gente fala sobre nada!
Enche a goela de cachaça
Deixa esse nada te dobrar
Chega de trepar, Zé.
Você goza pra não pensar na vida!

15.4.04

PETELECO

Consiste em fazer com que a ponta do dedo indicador toque as costas do polegar de maneira que, após um átimo de atrito, o indicador seja liberado com força e velocidade suficientes para atingir algo que esteja à sua frente. Você nota um inseto andando na sua calça e lhe aplica um peteleco. Ou uma migalha de biscoito cai sobre a mesa de trabalho e você, porco do jeito que é, faz uso de um peteleco para lançá-la ao chão.
Entendida a mecânica, convém agora dizer que não são muito efetivos com líquidos. Se, ao invés da migalha, você deixar cair sobre a mesa uma gotinha de café, de nada lhe servirá o melhor dos petelecos. Por mais porco que você seja, sabe que a gotinha continuaria ali, apenas um tanto desfigurada, resistindo bravamente à sua pouco louvável iniciativa de manchar o tapete.
Petelecos também não são lá muito amigos de coisas duras e pesadas. Teve alguém que ganhou um hematoma – e quase perdeu a unha – depois de petelecar distraído um enorme cinzeiro de vidro. Bem sabido: petelecos são armas brancas de baixo poder lesivo.
Por exigir, na sua execução, apenas um dedo indicador e um polegar opositor, é possível intuir que o peteleco tenha sido criado há alguns milênios, por ancestrais do homem moderno, e figure, ainda hoje, como um dos raríssimos universais humanos.

Há um mosquito sobre a coxa esquerda de dona Mirtes, que é tetraplégica. Ela pode vê-lo, mas é só o que pode fazer. Será picada e contaminada por um parasita terrível.
Com a saúde já debilitada, dona Mirtes não resistirá à doença, e falecerá dentro de 6 dias.
Entendeu agora?
Um peteleco a teria livrado da morte.

13.4.04

VIDA

A vida aparece, em fulgurações, a alguns poucos amadores, a uns amorais, a alguns dentre os que só acordam cedo porque precisam ganhar o sustento (caso contrário, acordavam meio-dia).
A vida não se oferece aos que pensam sabê-la. E muito menos dá de si aos que têm certeza, aos boçais, aos que acreditam em si. A vida não é arte, nem ciência. Ninguém fala seu idioma. Vida é vida.
“O que você faz da vida?” – alguém pergunta.
Ninguém faz nada da vida. A vida é que faz algo de cada um de nós. Não fosse assim a vida seria muito diferente. Cada um esticaria, espicharia mais de um lado ou de outro, apararia as arestas, pintaria de outra cor, de forma que na vida só acontecesse o que já se tivesse desejado.
Mas a vida também não é de determinismos ou coisas afins. Não faz nada por querer. Porquês e quereres se metem na cabeça de quem não admite que a vida simplesmente seja.
Sonho não se interpreta; angústia não se resolve; nada sucede a lei de que tudo o que há deve ser vivido. Com liberdade, sem leviandade. Com disposição e desalojamento, sem suposição. Com tradição, contraditoriamente. Com leveza e com beleza. E por ser a vida tão bela, é também muito fácil não merecê-la. Basta um cisco, um talher mal encaixado à boca, uma cédula contaminada, uma picada no nariz. Ou mesmo nada. Um nada, e pronto: a vida deixa de ser.

9.4.04

SELEÇÃO NATURAL

Messalinas a serviço da seleção natural escondem entre as pernas um gosto entre o sem-sal e o azedo. A fome não é de comer chocolate, macarrão gostoso. Não. É fome de coisa suja, ânsia que brota de cada poro da pele do homem ao menor sinal de ventre fértil. Terra à vista, Cabral.
À noite, dunas escuras, becos fedidos, camas familiares, sacristias, de tudo emana o senso de preservação da espécie. Imortalidades capengas, sôfregas. Pau mole, logo toma uma fanta. Inveja a anca alheia.
No final, só isso. Mas aí entra a paranóia. Quer tornar a menina mulher. Quer gozar bonito pra mamãe aplaudir de pé. Pecador conturbado.
Em cada recusa dela, recusa a própria humanidade, não querendo tais e tais genes a contaminar as próximas gerações. Com certa razão, convenhamos. (Por isso, mulher mais velha é outra conversa. A biologia já dando trégua, a mulher dá por dar mesmo).
Promete flor no dia seguinte. Liga mesmo, sei que liga.
Romântico é levar boceta na cara. O resto é suscetível, aquecimento, coração, preâmbulo.

3.4.04

DESIDÊNTICO

O engenheiro da empresa era viado. E tinha dentes sensíveis e cócegas nos mamilos.
Primeiro morreu de febre. Depois voltou e foi visitar a ex-mulher, moça semivirgem. Puxou o pé do homem que dormia desavisado com ela. Depois achou que ali não era pra ele. Foi tentar a morte em outro lugar.
Ao chegar na Capital, foi ter com seu Barreira, amigo da família, que lhe foi pouco sutil e insinuou uns empecilhos:

Se você tivesse nascido gênio, filho da tua mãe, se fazia sem esforço. Mas é burro como o asno. Precisava mais dominar a malandragem.

Ele acabou ficando mesmo assim. Contaminando o espaço público, errante. Agora sabia ter ilusão nenhuma. Fez uma barriga nascer com ele de novo.
Soube da guerra, quis brigar. No posto de alistamento:

What’s your name?
My name is... I don’t know my name. And I don’t remember my first time. And I don’t have a second chance. And I don’t even know where I’m going now. I have lots of dirty thoughts, and I don’t know where they’re coming from.
OK, boy. No hard feelings. Just kidding. Nothing’s gonna change anyway.

Voltou pra casa da ex-mulher, que desta vez não o reconheceu.

Quem é?

Não deu de responder.
Ela quis se deitar com ele, não devia ter feito isso. Ele se sentiu tão traído que a dor na espinha até passou. Quis pegar a primeira faca que visse pela frente, mas estava completamente cego. E não era de raiva. Até com ceguinho a vagabunda andava se esfregando - pensou.

Até chorei ao pensar que o coitado não conhecia mais o amor. Parecia que era comigo. Também morri de febre uma vez. Também me apeguei a uma estupidez e também fiquei cego.
Sendo ninguém, a nós só resta o caráter. Somos armaduras que andam, vazias.

1.4.04

SAGRADO

Em dias de hoje, se leva tudo ao Deus-não-deu. Devotos de todas as poses, de todas as luzes que alumiam, na busca de fome pro pão nosso de cada dia (dai-nos também hoje). Sinceros e honestos ritos, carecem mitos, transbordam mistério. Sorte da vida, que de manha e gozo também se vive. Ao que pende da cruz, não dão sossego. Já sabe, não ainda? Por fazer o que eu não fiz, dá o fôlego de saber o que também não sei. Súplicas protestam apenas, fazem outra coisa não. Danado do homem – se acostuma até com a merda; depois, reclama. Vai bater tambor, até. Fora e através da ciência não científica: discernimento. Limpa a boca com água suja, coisa babada de pias salivas. Entrou no surto, já pro transe. Na chuva, pra se molhar. Criança que quer (porque quer) que a bolinha reapareça no mesmo lugar onde estava da última vez. E tudo isso muito junto, que a linguagem nem de longe me dá conta.
Vou fazer outro parágrafo aqui, ver se melhora. O tempo passa devagar e rápido demais. Aceita uma água? Um café? Você fuma? Dá um? Não, pode deixar, tenho isqueiro. Obrigado. Negócio bravo esse aí, né não? Hein? Volta lá em cima e repara: quase que eu fui. Quase surto eu. Surto sem susto, é verdade. Dá uma coisa de falar dessas coisas; quero nem lembrar. Tem um bonequinho de plástico logo ali, daqueles de colocar em cima do bolo de aniversário, festinha de criança com tema futebol. Vou brincar com ele um pouquinho.
Espera aí. Já volto.