13.4.04

VIDA

A vida aparece, em fulgurações, a alguns poucos amadores, a uns amorais, a alguns dentre os que só acordam cedo porque precisam ganhar o sustento (caso contrário, acordavam meio-dia).
A vida não se oferece aos que pensam sabê-la. E muito menos dá de si aos que têm certeza, aos boçais, aos que acreditam em si. A vida não é arte, nem ciência. Ninguém fala seu idioma. Vida é vida.
“O que você faz da vida?” – alguém pergunta.
Ninguém faz nada da vida. A vida é que faz algo de cada um de nós. Não fosse assim a vida seria muito diferente. Cada um esticaria, espicharia mais de um lado ou de outro, apararia as arestas, pintaria de outra cor, de forma que na vida só acontecesse o que já se tivesse desejado.
Mas a vida também não é de determinismos ou coisas afins. Não faz nada por querer. Porquês e quereres se metem na cabeça de quem não admite que a vida simplesmente seja.
Sonho não se interpreta; angústia não se resolve; nada sucede a lei de que tudo o que há deve ser vivido. Com liberdade, sem leviandade. Com disposição e desalojamento, sem suposição. Com tradição, contraditoriamente. Com leveza e com beleza. E por ser a vida tão bela, é também muito fácil não merecê-la. Basta um cisco, um talher mal encaixado à boca, uma cédula contaminada, uma picada no nariz. Ou mesmo nada. Um nada, e pronto: a vida deixa de ser.

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