22.2.06

VERDADE

A verdade não é senhora sequer de si, pois perece ante à soberania do espaço e do tempo, implacáveis.
Na vivência cotidiana, porém, o pensar, já fascinado pela deusa veritas, reduz o espaço vivido à conveniência de "extensão mensurável", na qual os entes (e o próprio homem) estão dispostos, ou seja, o lugar em que repousam seus corpos.
O tempo, possivelmente mais estranho em sua manifestação, por trazer consigo a inevitabilidade do fim, esta mesma cotidianidade transforma em um momento "quando", cujo caráter mais complacente é a tangibilidade propiciada por sua disposição objetivante em relógios, calendários e afins.
ÁRIDO

Um caminho árido, um trabalho árduo
só sorrisos secos, sem molho
não é pra mim, é pra quem puder
Quisera um cotidiano sábio
uma propriedade macia, um joio
pra misturar o trigo de nunca saber
da missa a metade do sentido
e resplandecer de sol a ignorância
santa como a acalentada sapiência
de uma garrafa do mais velho vinho
sorvido não pela sede, mas pela ânsia
em nome da vida, não da vivência

20.2.06

ESTRANHO

Estranho esse teu ar indolente agora
Julgava que já o tivesses em vida
Como estranho essa tua barba crescida
Teu não nos saber, teu não respirar
Estranho a frieza de teu funeral
Num dia quente de um verão precoce
E o imponderável de uma frase certa
Mocinhos sempre morrem no final
Estranho teus espectadores últimos
E todas as histórias que derramam
Estranho as flores no teu colo murcho
E a ausência dos filhos que não tiveste
Cobiço um verso solto, tão redondo
que brote apenas da extrema estranheza
e não da dor.