27.4.09

ANGÚSTIA

A angústia vai lá embaixo e a garganta quase desce traquéia adentro, diminuição de seu calibre. Andorinhas fugidias e obesas fazem já sua primavera, enquanto os sabiás gorjeiam e gozam a vida como podem. Como eu, que no caso soubera de um acaso recente, ainda amanhã, e resolvera dar parte de tudo na polícia das almas.
Máscaras de cobre se amarram com fios de nylon, assoberbam o aspecto fúnebre do rosto, o mórbido da gênese, o renascido do inferno em vida.
Sei, como Hilda, que nem tudo faz sentido, nem deve de fazer. Leia o sonho, ainda mais o sonho, ou a palpitação se faz diáfana por si. Quase não durmo, o corpo finge. Mas quem disse cansaço? Disse e repito: angústia.
Sabe o que é?

24.4.09

MUNDO DA VIDA

De volta ao mundo da vida, após ligeiro exílio nesta longa e chuvosa sexta-feira de outono austral.
A mãe ainda é jovem, mas quase deixa de parecer. Não pode segurar a mão de todas as crianças para atravessar. A avó (ou seria apenas uma amiga mais velha da mãe?), estranhamente, não ajuda. Os pés me voltam à mente, junto com aquele texto que escrevi há muito tempo. Há feira ainda no mesmo lugar.
A garoa aperta. Dará tempo?
Por um instante, não importa. A rua agora parece calma, até distante, apesar do vaivém. A chuva umedece o asfalto, dando sensação boa: talvez um cheiro (ah, se eu pudesse sabê-lo...)

O inesperado só me atinge no mundo da vida, na rua. É lá que tudo acontece, no correr do sangue do existir público, pelas veias e artérias dessa malha urbana.

23.4.09

DITO

A chuva não me molha
Porque ziguezagueio
Me chame “senhor”
Que oi é breque de boi!

Respeito não se põe à mesa
Com um copo de vinho barato
É especiaria das Índias
Voto de união sagrado

A inércia de meus músculos tesos
É a falta de um sentido dado
A procura me fez este: seco
Um abismo querendo buraco

E fica assim:

O dito pelo não falado

CAIM

Um cheiro de sangue vívido
Incita a verve pecaminosa dos homens
A ira de Deus é misericórdia
o desgosto paterno é sem fim
A hipocrisia: “não somos culpados! não somos culpados!”
Repete-se da história através

O assassinato e sua negação
O que fizeste, Caim?
Os sangues de todos os descendentes, no porvir, clamam até Mim
Todos os que seriam e não mais serão, bradam, no nada, por Mim
O preço da tua desforra ilumina a humanidade inteira
As vinganças dentro das eras, a irmandade intrínseca
O fratricídio primeiro
é também suicídio
O berço da civilização
Pode ser seu sepulcro

7.4.09

PAIXÃO

No prolegômeno da análise de tua alma
desejo de acesso ilimitado a uma paixão banda larga
dissonantes, meus acordes machucaram teu ouvir roteado
e no consolo magistral de uma Tebas radiosa de fibra e cobre
te fizeste tinhosa, como sabias me encantaria
pirada, como sempre quiseste
e soubeste falha a tua febre
soubeste meu teu corpo de partida
teu meu arrazoado típico, de infante que se crê maduro

e choraste, como não mais podias
subiste ao cume, caíste fundo, à intimidade do abismo
morreste um pouco, e apenas outro tanto
já que espúria seria tua glória afetada
ao declamares tua mortal toada
se teu rabo gordo de sereia, eclipsado pela voz meio soprano
não descobrisse tua réstia de honra, lavada

clique aqui para não saber de nada
clique aqui para fazer-te de surda
às favas com tais embustes

clique aqui para seres amada

6.4.09

MOLEQUE

s'imbora guri
menino da hora
desgrude da bola
que o medo te abraça

fosse bom o conselho
não se dava de graça
ouça o desespero
besteira nao faça

moleque maluco
malandro pirraça
pareces agora
o bobo da praça