30.8.06

SONHO

Jesto / Cesto
jisto / cisto
jesto e
demônio

29.8.06

PEREIRA'S

Do quarto deu um salto
e foi brincar na varanda da casa da vó
morta há anos
mas onde antes havia cheiro de bolinho de chuva fresquinho
já vivia outra família
os Pereira's
que faziam as refeições à mesa
e não mais em frente à TV

Sentindo a diferença nas corcovas
preferiu o deserto
a água
a miragem

Matou os Pereira's,
um por um

28.8.06

GARGALHADA

A raiva
o constrangimento
o medo
o desconforto
o sono
o orgulho
a pouca fome
a impotência
a saudade
a dispensa
o passeio
o vôo
a ternura
A GAR-GA-LHA-DA

23.8.06

MONSTRO

Seu semblante desbotado
suas guelras
seu restante
Havia um monstro ali
Parado um monstro ali

Seus três olhos regalados
seus olhares
penetrantes
Havia um monstro ali
Parado um monstro ali

Seu odor de cão molhado
suas pernas
vacilantes
Havia um monstro ali
Parado um monstro ali

Seus suores fatigados
suas feridas
lancinantes
Havia um monstro ali
Parado um monstro ali

Seus humores invernados
suas idéias
seus rompantes
Havia um monstro ali
Parado um monstro ali

22.8.06

PAVÃO

Sempre soube quem eu era, ralhando com a mixórdia do autoconhecimento, não poderia me perder em ti. Vivera tão bem até então... Até que... não. Fugazes ficaram as botas amassa-barro do destino, aquele espírito zombeteiro, como constante já ficara anteriormente o monóculo do fim-de-linha, um caboclo de Minas sempre pronto à perfeição, mas renitente com o porvir.
A brincadeira do bicho pavão era exibicionista. O pastor jejuava três dias, às vezes quatro. Não traçava nem a mulher, que – diziam – ia dar com o açougueiro. Mas no quinto, o homem comia o bicho, sem piedade. Refestelava-se naquele inocente, crendo sua consciência banida de culpas. Adiantava? Esse era mesmo o amor: os punhos brilhantes, a carne bem temperada e cozida, no prato, depois na boca e em volta da boca. Os olhos ardentes, a fome dilacerante. O gozo, quase uma zoofilia, de dizer ao corpo: “calma, era brincadeira...”

21.8.06

CUPIDO

Eu era a seta
de um cupido tosco
e era a ferida aberta
da qual fluía um sangue que,
ao coagular-se,
vertia paz ao homem.

Eu era a assombração
e o susto
e era o coração tremente
com a vizinhança do amor
- ou da morte -
nunca se saberia.

Eu era a prisão
a grade, o fosso
e era a fuga
a eletricidade na cerca
depois no corpo
e a última saudade.