23.6.05

CARLOS

Carlos falou que nossas dores não vêm das coisas vividas, mas das sonhadas que não se cumpriram. "O viver, em si, não dói" - ele disse.
Será mesmo...? Não entenda a dúvida como desafio, Carlos. Pelo amor de Deus, quem sou pra discordar de ti?!
Porém, vejamos. Não sonhe tanto, viva apenas a vida que se oferece para ser vivida a cada momento, e pouco sofrerás - até aí, tudo bem. Parece óbvio, até, não parece? Simples como um verso: Carpe Diem.
Mas talvez minha alma não seja páreo para a tua, eis a questão.
Eu sei que o mágico tenta chamar a minha atenção com a mão destra, enquanto a esquerda faz o truque. Mesmo assim, prefiro o encanto de ver o improvável coelho sair de dentro da cartola a descobrir o fundo falso.
Como haveria de iludir-me menos, cancelando desta forma também as grandes expectativas, os arroubos de euforias impossíveis, quando é do sonho que me vem o sentido pra continuar vivo?
"Mas dessa forma sofrerás, menino! Não lembra que o sofrimento é opcional?" - já posso ouvi-lo...
Desculpe, Carlos, mas não sou nada sem minhas expectativas infundadas.

21.6.05

SOBEL E SEU SOLIDÉU

Debaixo do solidéu de Sobel
Há mais piolhos
que em todas creches brasileiras

15.6.05

DEAR FRIEND,


I am mr Abbas Aziz, I am 67years old. I am a citizen of saudi arabia, but I am resident in Dubai.I was born an orphan and almighty Allah blessed me abundantly with riches, but I am not a happy man. I have no wife and I have no children. As at now I am seriously sick, I am presently in hospital suffering from lung cancer and I had patial stroke which has affected my speach. I can no longer talk and I am also deaf. Half of my body is paralysed. The doctors say I have about 2 mounths to live. I send you this mail with the help of my private nurse, assisting me.I have little time so I have committed it to spreading my wealth towards better health care for mankind. in the hospital where I am, I have given the management us$15million to upgrade and build a new cancer reseach facility. I dont know you, but due to my condition i am contacting you with the hope that you will carryout my wish for the sake of humanity.
I have us$6million in gold deposited with a security deposit company. I want you to take custody of the gold, sell it and use the money to build an orphanage in your country. You will name it Aziz orphanage home. You must follow my wish for it will gladen the heart of almighty allah.If you are ready to do this and carryout my wish, then send me:


[1]your full names

[2] your phone/fax number

[3] and your residential address.

I will be in contact with you. I await your reply.

Abbas Aziz.

14.6.05

NAMELESS

um sentimento áspero, duro
um rubor quente na pele do peito, acima do esterno
um ofegar ainda brando, irregular
uma boca sisuda, uma voz sem ânimo
uma postura caída, um desleixo
um titubear grosso, corrente
uma raiva tímida, quem dera brejeira
uma decepção doída, uma dor incauta
uma ruptura descrente
um sair renitente
um não sem dono
um terror sem nome

13.6.05

SOBRE O DIA DOS NAMORADOS

Na manhã do domingo passado, estava tomando um café com leite no balcão da padaria quando reconheci, sentado dois banquinhos pra lá, padre Valério, comendo torta de palmito com guaraná.

- A sua benção, padre.

- Deus te abençoe, meu filho.

Quando assoprei da camisa os farelos de torta que voaram da boca dele, já estava decidido a lhe perguntar algo. A presença de um sacerdote ali não podia ser mera coincidência. Talvez, uma resposta significativa às indagações, já antigas, que retornavam volumosas desde o início daquela manhã. Ou não, como eu iria descobrir.

- Que dia é hoje, padre?

- Domingo, filho.

- Não, do mês. Quer dizer, hoje é 12 de junho, não é?

- Sim, dia dos namorados.

- Isso! E por que 12 de junho é Dia dos Namorados?

- Não sei, filho.

- Foi por acaso que colocaram bem na véspera do Santo Antônio?

- Não sei mesmo, filho...

Desisti. O padre Valério não tinha mesmo muito jeito pra conversas. Além disso, tinha o péssimo hábito de falar com a boca cheia.

Continuei pensando sozinho. Lembrei do Anacleto.

Há tempos, o Anacleto, decepcionado com a maré-baixa de sua vida amorosa (que já durava alguns anos), decidiu investir - segundo suas palavras - na “sabedoria popular”. Simplesmente esqueceu os ditames da ciência e do bom senso e fez uma promessa para Santo Antônio. Se conseguisse boa perspectiva de relacionamento sério até 13 de junho daquele ano (faltava mês e meio), prometia nunca na vida trair sua mulher. E não pense que isso não é promessa que se faça, porque você não conheceu o Anacleto. Tal sacrifício seria digno da compaixão de qualquer santo.

Além da promessa, pensando em reforçar a intenção, Anacleto recorreu também às simpatias. Botou imagem do santo de cabeça pra baixo, escreveu nomes de A a Z e plantou debaixo da bananeira, bebeu água de batata cozida em panela virgem na primeira sexta-feira da lua nova...

Uma coisa não estava clara em nenhum destes rituais.

Como a tal mulher deveria aparecer? Poderia, subitamente, bater à sua porta, por exemplo? Enfim, isso nunca se soube, mas o fato é que Anacleto pouco saiu de casa durante esse tempo. Parecia não querer ajudar o trabalho do santo.

Prazo expirado, Anacleto conformou-se: sua promessa não fora atendida.

Achou melhor nem reclamar. Mais ainda, interpretou o caso como sinal dos céus para que ele esquecesse o casamento e a monogamia.

Hoje, a vida dele é assim: mora sozinho, mas tem vários amigos; trabalha pouco, mas vive bem.

As mulheres? Com elas, age como os gatos: quando precisa, procura, e depois não está nem aí.

Se é feliz? Ele mesmo não acha.

Pra ele, é difícil enxergar o óbvio: não conseguiu o que pediu ao santo, mas tem o que todos pediram a Deus.

9.6.05

CERTEZA

A abertura ao contraditório é pouco recomendável para pessoas inseguras.
Se for o caso, prefira sempre certezas inabaláveis,
mesmo que sejam mentira.

7.6.05

PAI


Pode ser que daí você nem saiba que dia é hoje.

Talvez meu choro fique só comigo. Talvez seus ouvidos não funcionem mais. Os conselhos que eu peço, grito, os lamentos, as tristezas, e a esperança de que você não deixaria nada disso acontecer... Talvez eu esteja apenas falando sozinho.

Às vezes, acho que tudo é como eu sempre desconfiei: o mocinho morre no final. E acabou. Levantem todos e vão para suas casas. Não tem final feliz. Não tem mais nada. Vão embora. Sigam as luzes coloridas nos degraus da escada; ou então caiam, se quiserem. Mas vão. No fim do corredor tem um bebedouro, ajuda a descer a pipoca.

Aí, no escuro, eu não me reconheço mais. Se olhar para o espelho, só vejo fantasma. Nada de fantasma bonzinho. Assombração brava mesmo. Eu mesmo pareço um quebra-cabeça meio desconjuntado, com aquele monte de pecinhas fragilmente arrumadas. Algumas foram colocadas no lugar errado, inclusive. Digo mais: algumas nem são do mesmo brinquedo.

Sabe o engraçado? Mesmo assim, tem uma certeza que nunca falta: a de que somos parecidos. Mas acha que isso facilita alguma coisa? Quem dera... É tão difícil só te entender agora... Tão difícil só agora imaginar sua solidão. Só agora saber na pele o tamanho daquela tristeza, que na época eu não sabia nem relevar, quanto mais compreender.

Sabe o mais engraçado? Você me levou junto pra esse lugar, esse cantinho seu, e eu acho que nem percebeu. De tanto reclamar, acabei te seguindo. Cada vez que eu não te aceitava, pensando, na minha imaturidade, que só o super homem, perfeito, poderia dar conta das minhas fraquezas, eu me aproximava mais de você. Tenho certeza que a gente ia acabar se encontrando. Pena que não deu tempo. Pena.

Talvez por isso hoje seja tão difícil confiar em alguém.

Ah, se fosse hoje... hoje eu pegava a tua mão, te abraçava, e não deixava você ir embora nunca mais. Quem sabe assim eu confiava mais nas pessoas.

Pode ser que daí você não se lembre de mais nada.

Mas aqui, nos últimos 11 anos, não teve um dia em que eu não lembrasse de você, pai.

5.6.05

IMAGENS

Não há qualquer novidade
na mensagem da embalagem.
Todas as imagens
são meramente ilustrativas.

1.6.05

MENINA (resumido a 25% pelo microsoft word 2000)

Água no baço fazia a menina se portar como uma possuída. Quando dava de ter seus ataques, lançava-se ao chão, tremia os músculos do corpo inteiro, babava, relinchava.
Um dia, chegou na cidade a ‘Bela Trupe Internacional Companhia de Circo’. Umanha ficava umas cinco léguas do Vitória, distância que sempre parecera intransponível para uma companhia de tão limitadas condições. Além de ser utilizado pelo palhaço em suas apresentações, quando, com a ajuda de um ventilador embutido, lançava para cima polvilho amarelo - uma das sensações do espetáculo! – um velho calhambeque era o único meio de locomoção da trupe. Aos berros, esquisitos àquela hora da manhã, explicava quem eram e o que estavam fazendo ali. Abaixada a poeira, a cidade chegou à conclusão: a primeira grande apresentação aconteceria naquela mesma noite, depois da missa, na praça.
A praça costumava ser usada numa única específica circunstância: a festa da padroeira. Nestas festas, a menina não ia nunca. A menina tinha duas irmãs, que fizeram a mãe botar o vestido de festa no sol, para tirar o odor da naftalina. Depois da missa, passaram em casa para deixar a menina, e voltaram à praça.
A cada movimento certo, o cão ganhava do malabarista um carinho, e aplausos calorosos da platéia.
O malabarista agradeceu a platéia e sumiu por detrás do pano verde.
O número do calhambeque foi acompanhado com atenção, e descontraiu principalmente as crianças, que até então não haviam entendido muito do que ele dissera.De repente, uma clareira se abriu no meio do povo. O mágico pediu que ela juntasse as mãos na altura do quadril, em forma de concha. Quando deu por si, notou um barulhinho tênue vindo do céu. Eram pétalas de rosa que caíam, do nada, cintilando sobre cabeças incrédulas.