7.6.05

PAI


Pode ser que daí você nem saiba que dia é hoje.

Talvez meu choro fique só comigo. Talvez seus ouvidos não funcionem mais. Os conselhos que eu peço, grito, os lamentos, as tristezas, e a esperança de que você não deixaria nada disso acontecer... Talvez eu esteja apenas falando sozinho.

Às vezes, acho que tudo é como eu sempre desconfiei: o mocinho morre no final. E acabou. Levantem todos e vão para suas casas. Não tem final feliz. Não tem mais nada. Vão embora. Sigam as luzes coloridas nos degraus da escada; ou então caiam, se quiserem. Mas vão. No fim do corredor tem um bebedouro, ajuda a descer a pipoca.

Aí, no escuro, eu não me reconheço mais. Se olhar para o espelho, só vejo fantasma. Nada de fantasma bonzinho. Assombração brava mesmo. Eu mesmo pareço um quebra-cabeça meio desconjuntado, com aquele monte de pecinhas fragilmente arrumadas. Algumas foram colocadas no lugar errado, inclusive. Digo mais: algumas nem são do mesmo brinquedo.

Sabe o engraçado? Mesmo assim, tem uma certeza que nunca falta: a de que somos parecidos. Mas acha que isso facilita alguma coisa? Quem dera... É tão difícil só te entender agora... Tão difícil só agora imaginar sua solidão. Só agora saber na pele o tamanho daquela tristeza, que na época eu não sabia nem relevar, quanto mais compreender.

Sabe o mais engraçado? Você me levou junto pra esse lugar, esse cantinho seu, e eu acho que nem percebeu. De tanto reclamar, acabei te seguindo. Cada vez que eu não te aceitava, pensando, na minha imaturidade, que só o super homem, perfeito, poderia dar conta das minhas fraquezas, eu me aproximava mais de você. Tenho certeza que a gente ia acabar se encontrando. Pena que não deu tempo. Pena.

Talvez por isso hoje seja tão difícil confiar em alguém.

Ah, se fosse hoje... hoje eu pegava a tua mão, te abraçava, e não deixava você ir embora nunca mais. Quem sabe assim eu confiava mais nas pessoas.

Pode ser que daí você não se lembre de mais nada.

Mas aqui, nos últimos 11 anos, não teve um dia em que eu não lembrasse de você, pai.

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