13.6.05

SOBRE O DIA DOS NAMORADOS

Na manhã do domingo passado, estava tomando um café com leite no balcão da padaria quando reconheci, sentado dois banquinhos pra lá, padre Valério, comendo torta de palmito com guaraná.

- A sua benção, padre.

- Deus te abençoe, meu filho.

Quando assoprei da camisa os farelos de torta que voaram da boca dele, já estava decidido a lhe perguntar algo. A presença de um sacerdote ali não podia ser mera coincidência. Talvez, uma resposta significativa às indagações, já antigas, que retornavam volumosas desde o início daquela manhã. Ou não, como eu iria descobrir.

- Que dia é hoje, padre?

- Domingo, filho.

- Não, do mês. Quer dizer, hoje é 12 de junho, não é?

- Sim, dia dos namorados.

- Isso! E por que 12 de junho é Dia dos Namorados?

- Não sei, filho.

- Foi por acaso que colocaram bem na véspera do Santo Antônio?

- Não sei mesmo, filho...

Desisti. O padre Valério não tinha mesmo muito jeito pra conversas. Além disso, tinha o péssimo hábito de falar com a boca cheia.

Continuei pensando sozinho. Lembrei do Anacleto.

Há tempos, o Anacleto, decepcionado com a maré-baixa de sua vida amorosa (que já durava alguns anos), decidiu investir - segundo suas palavras - na “sabedoria popular”. Simplesmente esqueceu os ditames da ciência e do bom senso e fez uma promessa para Santo Antônio. Se conseguisse boa perspectiva de relacionamento sério até 13 de junho daquele ano (faltava mês e meio), prometia nunca na vida trair sua mulher. E não pense que isso não é promessa que se faça, porque você não conheceu o Anacleto. Tal sacrifício seria digno da compaixão de qualquer santo.

Além da promessa, pensando em reforçar a intenção, Anacleto recorreu também às simpatias. Botou imagem do santo de cabeça pra baixo, escreveu nomes de A a Z e plantou debaixo da bananeira, bebeu água de batata cozida em panela virgem na primeira sexta-feira da lua nova...

Uma coisa não estava clara em nenhum destes rituais.

Como a tal mulher deveria aparecer? Poderia, subitamente, bater à sua porta, por exemplo? Enfim, isso nunca se soube, mas o fato é que Anacleto pouco saiu de casa durante esse tempo. Parecia não querer ajudar o trabalho do santo.

Prazo expirado, Anacleto conformou-se: sua promessa não fora atendida.

Achou melhor nem reclamar. Mais ainda, interpretou o caso como sinal dos céus para que ele esquecesse o casamento e a monogamia.

Hoje, a vida dele é assim: mora sozinho, mas tem vários amigos; trabalha pouco, mas vive bem.

As mulheres? Com elas, age como os gatos: quando precisa, procura, e depois não está nem aí.

Se é feliz? Ele mesmo não acha.

Pra ele, é difícil enxergar o óbvio: não conseguiu o que pediu ao santo, mas tem o que todos pediram a Deus.

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