20.4.04

AMOR

Não sei se parece, mas ainda sou eu. O cabelo enrolou, a vida amargou. A pele ainda não enrugou, mas às vezes cheira a nicotina. A cabeça pensa rápido, um assombro. O coração? A piada de sempre. Vivo de fazê-lo graça. Cachaça faz rir e engana a fome. Quando aperta, caio nuns tira-gostos, aqui e acolá. Amor é presente de deuses, e o homem sabe lidar não.
Ainda não sou nada do que você esperava.
Ainda não aprendi a ficar satisfeito – à medida do limite não fui devidamente apresentado.
Da última vez, saltei fora na hora certa, por acaso. Mais um pouco e não teria volta.
Desde aí, dei de chorar por nada, acredita?
Amanhã de tarde devo decidir se estou apaixonado, numa reunião de portas fechadas com meu advogado. Quero ver antes se bicho de pelúcia configura assédio sexual. Pensei também em deixar o testamento pronto, pra caso de urgência. Queria deixar minha ingenuidade pra alguém. Quer?
No fim, fui vendo que não tinha ninguém – a coisa de chorar à toa. E você sabe como é criança. Papai do céu não olhou pra mim?


Mas aí eu olhei pro rosto. O que? Foi Deus também que fez? Então é verdade que Ele é Deus, que é o fodão do universo? Eu nasci pra admirar a criação. Por Deus eu vou pro inferno e passo a eternidade lavando o banheiro do Cousa Ruim. Meu sagrado então é você inteira. De dar desespero, com arrepio na espinha. De buscar o ar onde não tem, esticando e contorcendo o corpo todo.
Deus é muito ciumento. Faz tempo que não abre vaga pra anjo. A gente se ferra é nisso.
É tarde da madrugada, eu fico aqui sozinho, e Ele vai pra onde quiser. Voa por cima da tua cama, desliga a TV, olha teus olhinhos fechados, cheira teu suor na fronha, beija tua bochecha, encosta do teu lado, até. Passa a mão na tua cabeça, transfere um sonho lindo, toca o teu coração sem cerimônia. E diz: Feliz Aniversário, meu amor.

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