29.11.05

ELA

E depois, meia-noite, isso se ela voltar, encontrará outro homem. A mesma cama, e um vagabundo outro, porém. Desperto, com os olhos molhados, perto de chorar.
Sem acender as luzes embutidas no teto de gesso, ela identificará a silhueta, por mais escura que a própria treva que banhará o quarto então. Só de cueca, o filho da puta, com a cabeça apoiada num braço, feito travesseiro.
Lembrará do pai. Lembrará do quarto dos pais e de suas interdições. Lembrará da fresta na porta do quarto dos pais.
Irá ao banheiro, e só lá permitirá à luz elétrica sua vocação reveladora: seu rosto no espelho. Escorridos em preto saindo de seus olhos, uma boca rosada (muito além do contorno dos lábios), cabelos desgrenhados e úmidos. Sim, aquele homem poderá ser a salvação ou a danação eternas. Há poucos metros dali, na escuridão do quarto. Aquela silhueta amoral e vivificante. Saberá quando a hora chegar.
De tonta, terá convulsões. Primeiro, receará o dia em que o conheceu. Depois, crerá nunca tê-lo conhecido, e terá mais razão. Nunca mais sairá daquele banheiro com vida, no que fará muito bem.

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