1.5.04

CRISTO

Fiz o Cristo aqui do lado esquerdo, do coração. Ele que disse assim: quero ficar no teu corpo feito tatuagem, que é pra te dar coragem pra seguir viagem. Disse tudo e quase nem piscou, ficando bem solenemente.
Fiz nem pra talismã, nem pra amuleto, mas se quiser funcionar, não ligo não. É mais pra não esquecer nunca quem é que manda por aqui. Alguma dúvida? Isso mesmo.
Se quiser castigar, vai, castiga. Lança praga sanguinolenta, atrai sofrimentos de um mundo. Ou já me leva logo embora, então. Quer ouvir da minha boca? QUERO QUE SE FODA.
Revoltado não, que eu não sou moleque. Você que pensa que sabe da vida. Ôôô! Tinha já uma cicatriz no coração, aí outra na cabeça. Cicatriz como desenho do destino.
Fui lá e falei: faz um desenho bem bonito, depois pinta com cores e deixa o tio ver. Só não pode usar canetinha, que suja a roupa e mancha e a mãe reclama que só trabalha e ninguém tem um pingo de consideração e quer ver o dia que ela morrer como é que vão se virar.
Tinge, rasgando em preto, a pele. Faz do avesso, começa pelo verso. Depois rega de azul piscina a menina dos olhos. De rosa, a flor do cabelo. Vem de laranja nos desenganos.
Capazes eram os duendes, que só conheciam três cores: amarelo, azul ciano e magenta. Na Duendilândia nem tinha Aids, Hepatite C. Mas todas as casinhas eram iguais, e todos tinham o mesmo bronzeado. Foi nessa época que os duendes malvados roubaram as sete cores do arco-íris e não tiveram pra onde ir, tão beira-mar que era a terrinha.
Mas Jesus teve misericórdia, perdoando-os todos. Os duendes ladrões, sem certeza nenhuma na vida, voltaram atrás, se arrependeram, e entraram num reino dos céus bem pequenininho.
Veja se entende, há uma diferença: entre tudo que eu queria ser pra alguém e tudo que eu queria que alguém fosse pra mim.

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