18.8.04

MAQUINAÇÕES

Nas mãos do poeta o mundo fluía de novo, como nos primórdios. A fala falava e criava e a escuta escutava e criava. A própria vida colocava-se em movimento – não se deslocando de A para B, mas transitando, exercitando.
Na boca do profeta o presente pedia passagem ao futuro. O futuro não reclamava. Arreganhava-se como a mais tenebrosa fêmea e cedia às palavras, que adentravam o porvir. E a ciranda do tempo rodava sua fortuna, destinando a todos como gado de corte.
A própria liberdade que se inventava era filha bastarda do controle. Sua mãe era a pretensão, mas puxara o pai em tudo.
Ia-se andando, com farpas roçando os braços laterais, algo que não chegava a incomodar. Quase igual: no meio do milharal. O balanço dava a noção do tempo, que fugia enquanto se passava.
Nem tudo eram flores, nem tudo eram flores. Havia espinhos que grunhiam com desespero e medo de entrar nos olhos saltados dos beira-morte.
A mágoa e o ressentimento eram picuinhas do demônio. Aquele santo homem, que já havia trazido o trabalho ao mundo, as cagava pela trilha. Passarinho nenhum ia querer comer sua merda, saberia voltar depois.
O demônio tinha os cabelos muito negros, mais que a noite, mais que o nada. E gel no cabelo, que parecia pintado com caneta hidrocor, tão liso, fios tão colados. E um bigode lascivo, fino e feio, de feltro barato. E dentes folgados. E pose de garçom. E cauda de maestro. E magro de ruindade. E voz aguda, rachada, insistente. E assolava os rebanhos, montes e castelos, cidades.
Naquela época, se podia largar o estar aqui - e ir longe, sem deslocamento algum.
Ouvia passas e paca, posso, e poço, queda funda original, ser si mesmo. Mau.
Porém. Nem a reentrância última oporia resistência ao uniforme do dispositivo. Era de voltar pra casa, caso uma meia do par estivesse desconforme.
Disseram que sim pra não encher mais a paciência, desistir não sendo sua índole. Fizeram tudo sem gostar, achando que gostavam. Ele gritou:

Suficiente!

Brincadeira de diabo? Ou dizer basta agora é também do cousa ruim?
Por via das dúvidas, aproveitem a fraqueza, que agora ele existe. Com quem estava a água benta? Joga.
Joga sem medo, porra.
Cof, cof. É a fumaça que sobe dele. Sei não se de enxofre. Fumaça inexistente, acho.
Mas ele conhece tão bem os fogos, vai morrer de fumaça?
Sim. Não há fumaça nos quintos.
A turba urge. Quase festa. Lá no meio, lá pelas tantas: onde demoninho esconde os potes de ouro? Ele gritou:

Voltado!

Vá tomar no cu. Por isso ele nunca morre: ganância ressuscita ele.

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